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28 de novembro de 2012

A Peste - por Amir Haddad


Por Amir Haddad

A PESTE 

Há 30 anos atrás apenas alguns poucos (2 ou 3) grupos de atores faziam teatro de rua no Brasil. Até se discutia se faziam teatro de rua ou teatro na rua. Logo estes grupos começaram, como uma peste, a se multiplicar por todo o país, não havendo nada que pudesse impedir esta multiplicação. Alguns festivais importantes chegaram até mesmo a ter um ou dois espetáculos de rua, em sua programação. Com o passar do tempo (pouco) já tantos grupos haviam que começaram a aparecer com grande variedade nos festivais de  Teatro do país. Hoje, já cresceram tanto, que provocaram o aparecimento de importantes festivais de Teatro de Rua, além da criação de redes locais e nacionais de grupos de teatro, explicitamente de rua. Não existe crescimento maior na área dos movimentos culturais que o país presenciou nas últimas décadas do que o movimento do Teatro de Rua. De alguns grupos no início da década de 80, passamos para centenas a partir do ano 2000, e hoje são tantos que ainda não temos condições de fazer o rastreamento do fenômeno, para sabermos quantos são hoje em dia, atuando em todas as regiões do Brasil. O reconhecimento do público e dos parceiros do teatro é cada vez maior e hoje o teatro de rua é uma realidade visível e atuante no cotidiano da vida cultural brasileira.

INVISÍVEL

Já estava, o Teatro de Rua, há tempos freqüentando festivais e vivendo uma grande efervescência intelectual e, ainda  assim, não era notado por órgãos ou agências patrocinadoras. A modalidade não era encarada por eles como manifestação importante da chamada vida cultural urbana, além de ser mercadologicamente “insignificante”. O que de imediato afastava possíveis patrocinadores das áreas privadas, e o dinheiro que corria, através da renúncia fiscal, era imediatamente repassado aos eventos considerados da “alta cultura”, (mesmo quando não eram) por este “patrocinador”ou “mecenas moderno”.          
Os editais  tinham sido substituídos pela renúncia fiscal, transferindo para o setor privado a responsabilidade de escolher, dizer, determinar o que devia ser estimulado ou produzido no país, o que seria feito naturalmente segundo seus interesses. Em outras palavras: as políticas públicas para a vida cultural do país totalmente estabelecida pelo capital privado, com dinheiro público, segundo as leis do mercado.

VISIBILIDADE
A modalidade começa a ser notada, depois de muita insistência e pressão, quando começaram a voltar os editais.  A volta dos editais oferecia ao movimento de Teatro de Rua, uma possibilidade de ser visto pelos olhos do poder público. Ainda assim, porém, olhos pré-conceituosos. De todo o dinheiro investido na área, seu percentual era e sempre foi insignificante.
Sempre os últimos de toda e qualquer lista, menos digno e não merecedor da mesma atenção de outras manifestações consideradas muito mais importantes, o movimento não tinha                                                                        
nem dignidade artística e era difícil, certamente, determinar o seu valor artístico, social e econômico. Na comparação com o estabelecido acabaria sempre perdendo. “Vale dinheiro o que rende dinheiro” (Brecht).

 RABO DE LEAO
Ainda assim, a FUNARTE abriu editais exclusivamente para as artes de rua e editais regionais incluíam o Teatro de Rua em suas premiações, sempre porém com um tratamento diferenciado, para pior. Também as leis de Fomento, como a de São Paulo não excluíam os grupos que fazem Teatro nas Ruas, embora não os privilegiassem como objetos de políticas públicas apropriados.
 CABEÇA DE RATO
Embora as coisas tivessem melhorado muito era evidente que a questão era mais complexa do que parecia a primeira vista. A realidade, com os avanços, começa a ficar mais transparente. O teatro de rua era prisioneiro de critérios e juízos que absolutamente não coincidiam com suas práticas, desejos, necessidades.
 Este Teatro não tem arquitetura e esse trabalho não é apenas o exercício de uma profissão da qual se sobrevive. Uma outra ética preside sua estética. Ao escolher ir para as ruas, a sua atitude é inevitavelmente política e faz parte do movimento de transformação por que vem passando o mundo.
Trabalhando nas ruas todos são iguais diante do espetáculo, assim como deveríamos ser iguais perante as leis.
O Teatro de Rua elimina a estratificação social, como na Grécia, como na Idade Média, como em Shakespeare, como em Molière, como entre os atores e personagens de comédia Del’arte italiana, e o teatro do século de ouro espanhol.

 HISTÓRIA
A volta na história é proposital pois foi nos meados do século XVIII que tudo começa a se transformar.
A derrocada final dos sistemas monárquicos absolutistas e a ascensão ao poder de um novo grupo social que se estrutura ideologicamente ao longo dos seus tempos de domínio traz modificações profundas na vida social, urbana e rural, e evidentemente na vida cultural dos países deste lado do mundo.
No caso do Teatro, especificamente, a burguesia dominante que via o Teatro nas ruas, ou em edifícios adaptados para a função, como os “hotéis” parisienses, as quadras de tênis, os pátios
das hospedarias (Corrales), começa a se preocupar com a criação de um local para seus espetáculos,  já que os reis, e a aristocracia poderiam vê-lo em seus próprios palácios e por isso não se preocuparam em criar lugares específicos para este tipo de entretenimento, já que os “artistas” vinham até suas moradias.
Onde porem, os burgueses veriam seus espetáculos?
O teatro foi e será sempre filho da história, e  não da ideologia, e se formos estudar as peças, suas épocas e sua arquitetura conseguiremos ver em seus traços essenciais como viviam o homem e as cidades de cada época. O teatro grego, o elisabetano, o espanhol do século do ouro, a idade média, todos por sua arquitetura e dramaturgia nos falam de seu tempo, não seria diferente também com o teatro da burguesia.
As platéias, os camarotes e as frisas se transformam no lugar onde a burguesia vai viver seus grandes momentos, com o balé, a ópera e o teatro,  antes um privilégio dos reis e seus convidados. Por servirem a todos sem as restrições da aristocracia, nem a poluição das ruas, estes teatros  italianos passaram a ser chamados teatros públicos, quer dizer, um lugar que todos poderiam freqüentar desde que tivessem dinheiro para pagar o preço do ingresso. Nos palácios não se cobravam ingressos, e nas ruas se passava o chapéu. O teatro público livra os artistas da segregação aristocrática e da penúria das ruas e parece ter vindo para “revitalizar” esta arte tão popular, colocando-a totalmente a serviço da burguesia ascendente. Todos agora poderiam desfrutar desta arte em locais agradáveis, confortáveis e bem equipados com a tecnologia da época, desde que pudessem pagar seus ingressos. E a burguesia podia! 

O LOCAL DOS ESPETÁCULOS  I                                          
O mundo estava mudando e o Teatro refletia esta mudança em forma e conteúdo, arquitetura e dramaturgia, organização e administração, e principalmente na composição da platéia dentro das salas “públicas” de espetáculo, o que iria modificar totalmente o teatro que se fazia, pois apesar das salas serem “públicas”, o teatro não se fazia mais para todos, dos reis aos miseráveis de ruas da Idade Média e do Renascimento, mas sim para uma classe social única e homogênea que viria a freqüentar as salas dos teatros públicos pelos séculos seguintes.
Embora pudesse contar com a presença de algum rei ou autoridade principal em seus camarotes especiais, a platéia dos teatros iriam apresentar absoluta uniformidade e homogeneidade, pois a elas se dirigiam sempre representantes da nova classe social com poder e domínio sobre os corações e mentes.
O mundo mudou de lugar, e o teatro também andou com ele. A burguesia protestante que iria desenvolver a civilização do mercado, do dinheiro e do consumo se apropria desta   
forma espetacular de manifestação humana e a transforma em coisa sua e determina-lhe  os contornos durante pelo menos dois séculos.  Expropriado o Teatro se transforma em arte privada, que tem proprietário.                          
Somente no final do século XIX e início do século XX é que esta situação vai se modificar, e justamente com uma nova revolução, que quer trazer para o centro da discussão e do poder a classe que ficou para trás.  A revolução socialista não poderia ignorar o Teatro, e não o ignorou, assim como também o Teatro não ignorou mais esta transformação social.




O LOCAL DOS ESPETÁCULOS  II                                                
Os artistas soviéticos entusiasmados com a idéia de construção de uma nova sociedade justa e igualitária procuram descobrir qual seria a arte do espetáculo de uma sociedade sem classes, uma arte que atingisse a todos igualmente. Maiakoviski foi o que mais acreditou e mais pensou no que seria esta arte, e levou seus espetáculos para lugares inesperados, pensando nas lonas do circo, nas vitrines das lojas saqueadas das cidades russas e finalmente para as ruas. Mas foi ele também o que mais se decepcionou com os caminhos tomados por esta revolução em relação às artes e a cultura dos povos. Se suicidou. Antes mesmo que o realismo socialista fosse coroado por Stalin e o poder da época como a linguagem “oficial” da nova era. Os poetas que dela se afastaram seriam considerados alienados e esteticistas e nocivos ao programa de construção de um novo mundo socialista. Meyenhold , que também aderiu à revolução e colocou sua arte a serviço deste mundo também  cai em desgraça e tem morte melancólica. O teatro se fecha novamente nas salas controladas e bem comportadas, desenvolvidas pelos líderes revolucionários soviéticos. É novamente privatizado, desta vez,  pelo Estado.  E tudo volta à antiga calma pré-revolucionária.

BERTOLT BRECHT
Brecht é proibido na União Soviética e perseguido nos              Estados Unidos. Se instala com seus atores num teatro da Alemanha Oriental, onde iria ter condições de desenvolver suas idéias a respeito do Teatro épico que influenciou gerações e gerações, desde a primeira  metade  do século passado até hoje, mudando definitivamente o horizonte das artes cênicas em todo o mundo. Nascido do expressionismo alemão e das inquietações políticas de toda a Europa nas primeiras décadas do século XX, ele foi o primeiro a contestar o teatro que se fazia nas salas fechadas do realismo burguês ou socialista.     
Mas, embora tivesse mexido profundamente nas questões do ator e da dramaturgia, e na idéia de desmistificar  o palco e a ilusão burguesa em busca de um Teatro didático e popular, Bertolt Brecht se manteve nos limites da cena italiana e jamais questionou sua organização arquitetônica.  Procurava resolver suas questões dentro das quatro paredes de um Teatro, em um palco amplo sem quarta parede.
Embora movido por um forte sentimento democrático e humanista e fizesse um Teatro de alcance popular por sua linguagem e preocupações, Bertolt Brecht não abandonou nem questionou a cena italiana, embora tenha modificado profundamente a relação do espetáculo com o espectador.

A DEMOLIÇÃO
A partir dos anos 50 a insatisfação com a formalidade do palco italiano faz com que o local dos espetáculos se pulverize e se multiplique em varias outras possibilidades arquitetônicas ou espaciais, desde as arenas mais simples até as salas polivalentes, comuns hoje em dia.
O espaço do Teatro se fragmentou porque o mundo que ele queria representar também se fragmentou, e novas relações, novas dramaturgias, novos espaços são necessários  para poder se falar destas fragmentações e modificações que o Teatro privatizado e expropriado pela burguesia  vinha sofrendo.  E sonhar com outro.
Novamente está tudo em movimento, o mundo muda de lugar, e o teatro com ele. Qual seria o local dos  espetáculos teatrais em um mundo em desorganização. E reorganização? 

Momento difícil, doloroso e fértil!
Que valores defender?  A ordem? 
A desordem está a um passo!
Ou tirar da própria desordem um horizonte de liberdade e novas possibilidades?
Para Brecht havia uma Utopia a ser perseguida. Oitenta anos depois, teremos nós mesmos que construir nossa Utopia.

A RUA
Desde que o  lugar do espetáculo passou a ser aquele da escolha do encenador, ou do produtor, ou do  autor. Desde que o lugar dos espetáculos não era mais àquele obrigatório criado pelas ordenações e valores sociais deste nosso sistema urbano, a rua naturalmente se  apresentou como alternativa possível e viável para apresentação  e fruição da função teatral. Como era antes.
Muitos fomos para a rua em busca de resposta para as questões  espaciais que cercavam o espetáculo.  Experimentadas todas as formas de arenas, circulares, retangulares; todos os espaços possíveis – quadrados, galpões, velhos edifícios, presídios, hospitais abandonados – ficava  faltando somente experimentar o espaço urbano livre de qualquer conformação ou limite. A cidade com suas ruas e suas praças, especificamente, os espaços públicos. Do confinamento das salas fechadas, dos Teatros, dos “hotéis” dos palcos das hospedarias (Corrales), dos palácios dos reis, o Teatro volta para as ruas, onde já estivera durante séculos, principalmente na Idade Média e Renascimento, quando a comédia dell’arte representa um momento de estupenda força e vitalidade desta  atividade humana tão antiga quanto a própria historia do homem.

ESPAÇOS ABERTOS
A volta do Teatro aos espaços públicos, além das questões espaciais, nos trouxe principalmente a possibilidade de contato  com uma platéia que estava longe da homogeneidade   do espetáculo burguês, feito para uma classe social apenas.   O Teatro de Rua traz de volta  para o espetáculo  a heterogeneidade  das platéias  que fizeram a força e a vitalidade do Teatro Grego, Medieval, espanhol renascentista, elisabetano, do teatro de Shakespeare e Moliére, que escreveram para platéias  absolutamente heterogêneas produzindo obras de interesse e valor jamais superados na  historia das artes dramáticas  e da dramaturgia.  Daí vem a força destas obras,  geradas no contato direto com a população, sem divisão de classes. O clássico popular.
O Teatro de Rua elimina a estratificação social e nos coloca novamente em contato com a população, sem restrição de nenhuma espécie.
Atuar nos espaços abertos, em áreas públicas e livres é como fazer uma viagem ao passado e ao futuro do teatro, percebendo sua ancestralidade e sua necessidade, o que garante sua permanência no futuro.
A função teatral cumpre função social essencial de recuperação do tecido social desgastado quando realizada em plena liberdade em espaços públicos, despertando no expectador a memória de antigas representações nunca vividas por ele, mas muito lembradas, colocando-o em contato com sua ancestralidade e devolvendo a ele a esperança de fazer parte da vida urbana em todos os seus aspectos.

OBRA PÚBLICA   I
Todas as artes são públicas, por sua própria natureza. Não produzimos arte para o nosso próprio consumo; a necessidade de compartilhamento está intimamente ligada a sua produção.
Arte é obra pública, feita por particulares. Arte é sempre obra pública. Não tem em sua natureza o desejo de manter-se oculta ou reservada para algum momento especial, nem o de ficar guardada esperando um bom preço de mercado.
Tudo o que produzimos, vindo de nossa sensibilidade, criatividade e fertilidade traz dentro de si o desejo de ser imediatamente compartilhado.
Só com a ascensão da burguesia mercantilista ao poder é que a arte passa  a adquirir características  de produto de consumo submetido as leis de mercado. Seu produto artístico será bom se tiver quem queira comprá-lo.  No entanto, os quadros de  Van Gogh  nunca tiveram valor econômico enquanto ele viveu!!! Antes não valiam nada, e o pintor morreu na miséria. Não era “arte” o que produzia? Virou arte depois que adquiriu valor econômico?
Miguel Ângelo era um trabalhador braçal. Trabalhou duramente nos tetos e paredes da Capela Sistina, no Vaticano. Recebia dinheiro pelo seu trabalho e não pelo valor artístico do que produzia. O seu trabalho criativo não tinha e não tem  preço.
Como dizia Cacilda Becker:  “Não posso dar a única coisa que tenho para vender: o Ingresso”. Todo o resto não tem preço e é oferecido gratuita  e generosamente àqueles que se dispõem  a compartilhar este momento intenso de criação,  doação e generosidade. “Não me peçam para vender o que tenho de melhor para dar”, parece estar dizendo a grande atriz. Só paguem o ingresso, o resto é entrega e doação. É  o ser humano no seu melhor momento, mais solidário e mais generoso. Nossa criatividade não é  determinada pelo mercado (nem pode), mas por uma  necessidade incontrolável de comunicar através de  sinais às vezes claros,às vezes obscuros o que  trazemos dentro de nós e  queremos comunicar aos outros. Nada do que  meu mundo interior produzir neste sentido terá valor se não for compartilhado com outro ser humano, igual a mim e diferente de mim.
A natureza publica da produção artística é imperiosa e determinante, e sofremos quando não conseguimos obedecê-la. E apesar disso  não a obedecemos. Nos tempos em que vivemos não há nada que possamos produzir através de nós mesmos que  não possa ser vendido. Vendemos nossas próprias almas, por partes, aos pedaços.
O ser humano perde assim o sentimento generoso da doação  e se transforma cada vez mais naquele que se preocupa mais em acumular do que em distribuir. O mundo em que vivemos parece querer  nos transformar na pior das criaturas, e das mais ferozes e egoístas da natureza.  
A arte virou consumo e o ser humano uma máquina de produtos beneficiados para o mercado.  Com toda  a dor e a angústia que tamanho ataque   à nossa natureza artística doadora e generosa pode provocar.  Vendemos o que deveria ser doado, compartilhado, e sofremos com isso.

A UTOPIA
Todo artista traz dentro de si a idéia de Utopia. Mesmo aquele que nunca se preocupou com a questão e nem mesmo sabe o significado desta palavra, carrega dentro do peito este sentimento. O sentimento artístico é um sentimento Utópico por sua própria natureza. Não há sentimento de produção artística que não inclua o outro. Ninguém produz para si mesmo, nem para egoticamente guardar seu produto expressivo para vendê-lo mais tarde a quem se digne a comprá-lo.

O artista é um doador universal.

É sangue tipo O do homem primitivo, antes que as atividades econômicas e a complexidade da vida social (terra, alimento, plantio, clima, movimentação, sedentarismo e etc.) tivessem diversificado sua composição sanguínea.

O Tipo O é o sangue do doador universal. Uma metáfora da ancestralidade da entrega e da criação.

TEATRO DE RUA    II
Nenhum artista  do Teatro de rua  está pensando em ganhar dinheiro quando vai para as ruas. Não é uma carreira segura, de colocação garantida no mercado. Vamos fazê-lo por absoluta necessidade de nos expressarmos publicamente em lugares também públicos.
E apesar de não estar voltado para o mercado é a modalidade  teatral que   mais cresceu no Brasil nos últimos anos; não é Teatro de vanguarda, não é experimentalismo, não é teatro do absurdo, não é multimídia. É Teatro de rua, e tem vida própria. Apesar de não ter dinheiro cresce intensamente, são dezenas de grupos e centenas de atores que se lançam  a esta aventura de se oferecer gratuitamente em praça pública, sem esperar nenhuma recompensa alem daquela que é oferecida àquelas  pessoas que livremente se expressam em público, para uma platéia diversificada, heterogênea, sem distinção de nenhuma espécie: o prazer da  entrega e da doação!
O teatro de rua é a  mais antiga  e a mais moderna forma de expressão, capaz de nos livrar da extrema crueldade do mercado consumidor das chamadas atividades artísticas.  Nos remete à nossa ancestralidade, anterior ao Teatro que hoje conhecemos e nos encaminha em direção a contemporaneidade de uma forma  de apresentação artística que ainda não conhecemos, mas que certamente nos  abre caminhos e horizontes em direção a  um mundo desconhecido, mas,  que queremos que seja melhor  do que este que estamos vivendo.
O Teatro de rua abre perspectivas para um novo mundo de confraternização e encontro, fora dos limites constrangedores da atividade privada.
Por sua natureza generosa e abrangente, e por sua historia e ancestralidade é a modalidade  que mais se aproxima de uma idéia de contemporaneidade.
Por ser de natureza pública (saúde pública, transporte público, banheiro público) e não se enquadrar nos padrões   e critérios que regulam a atividade  privada o Teatro de rua está sendo tratado e estará sempre sendo tratado  como uma manifestação cultural primitiva e precária e indigna, diante dos avanços e sutilezas das manifestações da chamada alta-cultura. E mesmo alguns grupos de Teatro de rua cometem o mesmo erro de avaliação desta atividade extremamente velha e extremamente nova, e vão buscar no celeiro cultural das artes privadas os recursos para a sua encenação publica.  Uma linguagem que nem sempre o cidadão das ruas  consegue entender,  primeiro por nunca ter visto uma encenação do Teatro privatizado pela burguesia, ou então  por não serem apropriados os recursos  usados para uma encenação em espaços abertos, públicos e democratizados.
Mas o pior é a confusão que os órgão públicos  ou privados, fazem eles mesmos a respeito desta questão, o que  leva a um tratamento inadequado por parte destes órgãos  destas manifestações tão novas e ao mesmo tempo tão antigas, anteriores ao ordenamento das manifestações culturais feitas pela burguesia capitalista mercantilista.
Assim, sem a percepção do que pode estar embutido numa manifestação cultural  pública desta natureza o que sobra para seu fomento acaba sendo muito pouco, muito menos do que receberia  qualquer atividade cultural privada  mesmo que de qualidade, as vezes, muitas vezes, inferior.


ARTE PÚBLICA
Diante do tamanho e crescimento contínuo destas manifestações públicas, que vão ainda alem de Teatro,  como a música, a pintura, artes plásticas em geral, mímica e dança e outras atividades que se realizam rotineiramente nas ruas e espaços públicos da cidade, e da ausência de políticas publicas que contemplem esta importante atividade humana, é que sentimos  fortemente a necessidade urgente da criação de políticas publicas para estas  artes  que, de agora em diante,  passaremos  a chamar de “Artes Publicas”.
Políticas que serviriam de complementação às políticas  que já existem para estimulo e produção das artes privadas, que  alem de fomento para as suas atividades ainda tem a possibilidade de retorno financeiro pela venda de seus  produtos.
Perderemos sempre na comparação com as artes privadas, ou  com a cultura de mercado, que seleciona seu publico pelo crivo da bilheteria ou outro tipo qualquer de venda.
São atividades diferentes sendo contempladas  com o mesmo olhar.
As necessidades e perspectivas da Arte Pública  são diferentes das necessidades e perspectivas da vida cultural privada.
O afunilamento da vida cultural privada e a despersonalização da cidadania nos grandes espetáculos públicos, geralmente musicais, produz reação de sobrevivência, de identidade e de necessidade de expressão livre do cidadão urbano, fazendo com que o ser humano multiplique suas  atividades fora dos locais para isso determinado pelas ordenações vigentes. Com força de reação proporcional à pressão existente.
O fascismo é produção da natureza humana,  uma doença. Mas sua cura é também produto de uma reação saudável do ser humano.
Desatualizadas, estas ordenações sociais urbanas precisam ser revistas para que coisas  diferentes, sejam tratadas de maneira diferente.   Investir nas artes públicas com políticas apropriadas para este tipo de atuação e manifestação da cidadania  é fazer um investimento em um outro futuro.
O funil do mercado mata a atividade artística e a  transforma em produto  supérfluo e quase que desnecessário no mundo em que vivemos,  transformando a atividade cultural em entretenimento vazio e superficial, eliminando os focos de inquietação e reflexão necessários para o pleno desenvolvimento do ser humano e suas possibilidades de transformação. Função da arte.
Sem prejuízo do fomento que já  se faz as atividades culturais que atendam ao mercado e  sejam expostas  ou vendida em lugares adequados e preparados para isso, é preciso que se avance na idéia  ou na conceituação de  uma arte pública para que possamos criar para ela políticas publicas próprias .
Políticas públicas para as artes publicas, é o tema central deste primeiro encontro nacional e internacional de artes públicas. Um horizonte e uma janela para se antever e começar a construir o futuro agora. Diferente do que está previsto ou ordenado de antemão.

Amir Haddad  e  Grupo Tá Na Rua

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