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4 de novembro de 2011

Encontro em Santos do Curso de Extensão ao Teatro de Rua com Alexandre Mate e Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua de São Paulo

 No dia 25 de outubro aconteceu o último encontro de 2011 do Curso de Extensão ao Teatro de Rua com Alexandre Mate e com o Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua de SP na cidade de Santos.
Durante três semestres o encontro foi realizado na UNESP Barra Funda, neste último semestre  se extendeu para cidades, bairros e sedes dos grupos participantes.
Abaixo segue texto escrito por Zeca Sampaio, presente neste encontro de Santos.

TEATRO DE RUA OU TEATRO NA RUA?
Zeca Sampaio

       Será esta uma questão meramente acadêmica? Será que estamos ficando sisudos?  Que diferença faz uma preposiçãozinha, “de” ou “na”?
      
       Parece que para algumas pessoas há uma diferença e essa diferença parece ter importância. Vale apena tentar entender um pouco.
      
      Se há um “Teatro” que é teatro em qualquer lugar, obviamente ele pode ser feito na rua, no circo, nas escolas, nos galpões das associações de bairro, ou no Teatro Municipal sem que haja uma diferença fundamental. O que o caracterizaria seria a sua qualidade pura e simples. Existiria o bom e o mau teatro e ponto.
     
       Agora, um “teatro de rua” supõe um teatro que não é de rua, que vou chamar de teatro de palco, apenas para facilitar. O que caracteriza então esse teatro de palco, como diferente do teatro de rua?
    
      Poderíamos começar por muitas vias, mas eu gostaria de pensar primeiro no tema da proteção. O teatro de palco é um teatro protegido, resguardado pela quarta parede, pela luz apagada na platéia, mas especialmente pela convenção que nos assegura que o público não vai invadir o espetáculo, não vai interferir, não vai interromper, nem abandonar seu papel de platéia. Salvo em raríssimas exceções, o artista no palco está seguro. De acordo com a tradição do teatro é ele o senhor do espaço, quem comanda as ações, quem diz as verdades, quem é iluminado pelas musas e a quem se deve reverência e submissão. Ao público, resta assistir tudo quietinho, mesmo que seja um tédio, e aplaudir no final – de preferência de pé para sentir que esteve presente a um evento importante.

    A proteção desse teatro é o equivalente – não é a mesma coisa, mas corresponde – ao muro do condomínio, aos seguranças do Shopping Center. No mundo da cultura são construídos muros que separam a elite culta, talentosa, iluminada dos pobres mortais a quem cabe apenas o papel de assistência passiva e de fãs. O egocentrismo dos artistas (não só de artistas, mas de intelectuais, professores e outros donos da verdade) muitas vezes facilita o caminho de construção desses castelos murados, verdadeiros condomínios de luxo da cultura. Falando em sociedade dividida...

   Na rua a conversa é outra. A rua não oferece esse tipo de proteção tão facilmente. Aqui a convenção é falha, o espaço é aberto e interfere, o público se mistura.

   Quer dizer que o teatro na rua vai ser sempre um teatro sem o muro? Não necessariamente. Nós podemos ir pra rua e lutar para manter o nosso reduto de proteção. Nós fazemos isso sempre que nos colocamos em posição de elite, de superioridade; quando, mesmo politizados e levando mensagens revolucionárias em nossos espetáculos, tratamos nosso público como ignorantes alienados que precisam ser iluminados pela nossa sapiência; quando utilizamos métodos de proteção que nos colocam “acima e afora da manada”; quando o diretor diz ao ator o que ele deve fazer em vez de ajudá-lo a descobrir o que quer dizer; quando nos fechamos em discussões teóricas infindas, só compartilhadas pelos iniciados (o que justifica o estranhamento com a própria questão discutida aqui); enfim, sempre que permitimos que a lógica do sistema de divisão de classes e a tradição do coronelato interfiram com as nossas boas intenções.

    Por outro lado, grupos e atores que vão para a rua por necessidade, oportunidade ou acaso podem ter uma experiência reveladora. Na rua, o muro se desnaturaliza, ele não é o óbvio. Como um adolescente de classe média alta que seja obrigado por um acaso a andar de ônibus e de repente percebesse que há vida fora do Shopping Center, o artista que vai para a rua pode descobrir que há um muro do qual ele nada sabia. Um muro de proteção que na verdade serve para encarcerá-lo.

    Fazer teatro de rua então, diferentemente de fazê-lo apenas na rua, seria desmontar o muro, lutar contra o muro e entrar na área do perigo. Fazer teatro de rua, como diria o outro, é um tanto arriscoso.

    Que perigos são esses?

    Vejamos por um outro caminho. Eu gostaria agora de retomar uma questão proposta por Zigmunt Bauman no livro “Vidas Desperdiçadas” e que serviu de ponto de partida para a montagem do espetáculo “Arrumadinho” da Trupe Olho da Rua: você é Projeto ou Refugo?

    Segundo Bauman o sistema vigente (vou dizer o palavrão, desculpem os mais pudicos), o capitalismo globalizado, reino da barbárie, exige um comprometimento com o seu Projeto, ou seja, coloca as coisas em termos de uma dualidade: ou se é Projeto, ou se é Refugo. E o que é Projeto hoje, amanhã será Refugo, regra essencial do consumo.

     Vamos convir que o teatro de rua esteja longe de fazer parte do Projeto. Isso significa que sempre estaremos sendo empurrados para o papel de Refugo. Mas essa dualidade proposta pelo sistema é, como sempre, ideológica e um truque sujo. É claro que sempre há alternativas, é claro que não podemos dividir o mundo, na lógica bushiniana (desculpem o outro palavrão. Quem manda mexer na sujeira?), entre os que são nossos amigos e os inimigos.
    
    Além de Projeto e Refugo é possível se colocar na posição de Resistência.

    Acho que quando se tenta separar o teatro de rua de um possível teatro na rua o que se está tentando evidenciar é esse sentido de Resistência. Um teatro que resiste ao muro, que quer manter, ou estabelecer, ou restabelecer um contato, uma interação, talvez formar de novo um lugar comum – comum unidade? – para fugir à lógica do sistema e, uma vez fora dela, poder mostrá-la como o que é: ideologia naturalizada. Um anti-Projeto que expõe, que critica, que duvida, que desvela.

     A questão é: quanto tempo se aguenta resistir? É possível permanecer nessa posição?

     O anti-Projeto corre o risco de se tornar Projeto. Um movimento forte estabelece pontes com as comissões, espaços para verbas, ganha um lugar ao sol, o teatro de rua passa a ser uma Categoria, com “C” maiúsculo. Quem sabe um dia, para concorrer a uma verba de teatro de rua o grupo precise de um aval da comissão permanente fiscalizadora do movimento de teatro de rua: CPFMTR! Eita sigla bonita!

     Por outro lado, ninguém quer viver a vida toda sem condições mínimas de sobrevivência. Os grupos precisam de espaços para trabalhar, os artistas precisam de dinheiro para viver. Permanecer alheio ao mundo oficial, ao Projeto, pode significar a porta de entrada para o Refugo.

     Como fazer para que a resistência seja uma atitude que possa permanecer? Como organizar a horda da resistência sem se tornar um exercito regular?

    Resistir enquanto bando é possível enquanto existe o ímpeto que contrabalança a eficiência do exercito hierarquizado, afinal os soldados lutam contra seu coração. A história tem demonstrado, entretanto, que os bandos tendem a se dispersar, entrar em conflitos internos e depois de ganhar muitas batalhas serem vencidos pela constância, pela disciplina e pela sedução do sistema.

    Ainda assim, é resistir ou desistir. Ou será essa outra falsa dualidade?

“Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar”.
Bertolt Brecht



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