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16 de dezembro de 2008

OS ARRUMADINHOS... UMA POÉTICA NA/DA PERIFERIA

Na bela Praça Mauá, tendo a importante sede da Prefeitura Municipal de Santos às costas, e repleta de transeuntes – na maioria santistas, quero crer - , nos interstícios da passagem de uma manhã e início de uma cinzenta tarde, os artistas da surpreendente Trupe Olho da Rua, de Santos, disfarçados de mendigos, dão início à sua performance. Espalhados pela Praça cinco dos seis jovens atores do grupo aproximam-se espaço delimitado para apresentação do espetáculo, e um a um, ao retirar a “casca”: um nem tão velho cobertor que os cobre, metamorfoseam-se em, nem tão otimistas como pretendem demonstrar, personagens das sedes do mundo administrado e globalizado.

Arautos sujeitados ao mundo das grandes empresas, por intermédio de um excelente jogo de envolvimento com os espectadores e mesmo passantes do espaço público, os atores-músicos-narradores, seduzem a todos aqueles que gostam e apreciam bom e sofisticado teatro. É disso que se trata. Sob uma aparente simplicidade, como de sorte todo o bom teatro popular (refiro-me aqui àquelas obras construídas coletivamente a partir do compromisso com a acessibilidade), a trupe que escolhe a rua e não só em seu nome, coloca em revista, em chave de sátira, métodos, abordagens, alcances e a coisificação dos seres, dentro ou fora das empresas.

No mundo dito globalizado, todos os conceitos e práticas são permanentemente revistados e transformados em mercadoria. Desse modo, o dentro e o fora, ao se misturarem, colocam a todos nós, esquecidos de nossa condição latino-americana, em um beco sem saída, mas com alguns ladrões (respiradores) para a consciência. Mesmo sem apresentar uma apologia à consciência, o grupo organiza o seu discurso dramatúrgico e sua proposta de encenação, fundamentados em uma troca de experiência crítico-lúdica coma platéia.

Transformados de mendigos em seres arrumadinhos (entenda-se: aparatados de acordo com o mundo do trabalho empresarial. De outro modo: do mendigo vem o burguês) os espectadores mais próximos recebem destes um crachá. Aceito o crachá, não importando se dependurado ao longo do corpo ou não, o ritual de passagem se dá: o último mendigo é um “sujeito cartão-de-crédito”, depois um homem-bomba, e, por último, uma paródia de Cristo crucificado. De certa forma, o assunto político, revisitado de modo ácido e cômico, aproxima-se muito de algumas das experiências do CPC da UNE (Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes), no Rio de Janeiro, no início dos anos de 1960.

O espetáculo da vida como simulacro (aquilo que parece, sem ser) apresentado em uma sucessão de curtos quadros parece ter a função, também, além de divertir, demolir todas as esperanças vendidas cotidiana e otimistamente a nós. Por entre esses quadros, os atores, em normalmente, números solo, relacionam-se com os espectadores. A escuta dos atores incorpora à cena muitas sugestões apresentadas pelo público.

Brincadeira de corda, repetição de slogans otimistas, cafezinho, balinhas oferecidas como pílulas, espectador feito camelô é instado a vender objetos que não são seus por um real... muitos e bons achados são desenvolvidos por meio de domínio e orquestração dos jovens atores, em processo de troca com o público.

Relação de prazer nos quase sessenta minutos de espetáculo. A Trupe Olho da Rua, além dos domínios exigidos pela cena na rua, encantam. Que venham, portanto, muitos outros trabalhos e trocas. Santos tem um surpreendente grupo de teatro de rua. Iss`aí!

Alexandre Mate

Professor do Instituto de Artes da UNESP e pesquisador de teatro

Santos, 06/09/2008

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