Por Amir Haddad
A PESTE
Há 30 anos atrás apenas alguns
poucos (2 ou 3) grupos de atores faziam teatro de rua no Brasil. Até se
discutia se faziam teatro de rua ou teatro na rua. Logo estes grupos começaram,
como uma peste, a se multiplicar por todo o país, não havendo nada que pudesse
impedir esta multiplicação. Alguns festivais importantes chegaram até mesmo a
ter um ou dois espetáculos de rua, em sua programação. Com o passar do tempo
(pouco) já tantos grupos haviam que começaram a aparecer com grande variedade
nos festivais de Teatro do país. Hoje, já cresceram tanto, que provocaram
o aparecimento de importantes festivais de Teatro de Rua, além da criação de
redes locais e nacionais de grupos de teatro, explicitamente de rua. Não existe
crescimento maior na área dos movimentos culturais que o país presenciou nas
últimas décadas do que o movimento do Teatro de Rua. De alguns grupos no início
da década de 80, passamos para centenas a partir do ano 2000, e hoje são tantos
que ainda não temos condições de fazer o rastreamento do fenômeno, para
sabermos quantos são hoje em dia, atuando em todas as regiões do Brasil. O
reconhecimento do público e dos parceiros do teatro é cada vez maior e hoje o
teatro de rua é uma realidade visível e atuante no cotidiano da vida cultural
brasileira.
INVISÍVEL
Já estava, o Teatro de Rua, há
tempos freqüentando festivais e vivendo uma grande efervescência intelectual e,
ainda assim, não era notado por órgãos ou agências patrocinadoras. A
modalidade não era encarada por eles como manifestação importante da chamada
vida cultural urbana, além de ser mercadologicamente “insignificante”. O que de
imediato afastava possíveis patrocinadores das áreas privadas, e o dinheiro que
corria, através da renúncia fiscal, era imediatamente repassado aos eventos considerados
da “alta cultura”, (mesmo quando não eram) por este “patrocinador”ou “mecenas
moderno”.
Os editais tinham sido
substituídos pela renúncia fiscal, transferindo para o setor privado a
responsabilidade de escolher, dizer, determinar o que devia ser estimulado ou
produzido no país, o que seria feito naturalmente segundo seus interesses. Em
outras palavras: as políticas públicas para a vida cultural do país totalmente
estabelecida pelo capital privado, com dinheiro público, segundo as leis do
mercado.
VISIBILIDADE
A modalidade começa a ser
notada, depois de muita insistência e pressão, quando começaram a voltar os
editais. A volta dos editais oferecia ao movimento de Teatro de Rua, uma
possibilidade de ser visto pelos olhos do poder público. Ainda assim, porém,
olhos pré-conceituosos. De todo o dinheiro investido na área, seu percentual
era e sempre foi insignificante.
Sempre os últimos de toda e
qualquer lista, menos digno e não merecedor da mesma atenção de outras
manifestações consideradas muito mais importantes, o movimento não
tinha
nem dignidade artística e era
difícil, certamente, determinar o seu valor artístico, social e econômico. Na
comparação com o estabelecido acabaria sempre perdendo. “Vale dinheiro o que
rende dinheiro” (Brecht).
RABO DE LEAO
Ainda assim, a FUNARTE abriu editais exclusivamente para as artes
de rua e editais regionais incluíam o Teatro de Rua em suas premiações, sempre
porém com um tratamento diferenciado, para pior. Também as leis de Fomento,
como a de São Paulo não excluíam os grupos que fazem Teatro nas Ruas, embora
não os privilegiassem como objetos de políticas públicas apropriados.
CABEÇA DE RATO
Embora as coisas tivessem
melhorado muito era evidente que a questão era mais complexa do que parecia a
primeira vista. A realidade, com os avanços, começa a ficar mais transparente.
O teatro de rua era prisioneiro de critérios e juízos que absolutamente não
coincidiam com suas práticas, desejos, necessidades.
Este Teatro não tem arquitetura e esse trabalho não é apenas o
exercício de uma profissão da qual se sobrevive. Uma outra ética preside sua
estética. Ao escolher ir para as ruas, a sua atitude é inevitavelmente política
e faz parte do movimento de transformação por que vem passando o mundo.
Trabalhando nas ruas todos são
iguais diante do espetáculo, assim como deveríamos ser iguais perante as leis.
O Teatro de Rua elimina a
estratificação social, como na Grécia, como na Idade Média, como em
Shakespeare, como em Molière, como entre os atores e personagens de comédia
Del’arte italiana, e o teatro do século de ouro espanhol.
HISTÓRIA
A volta na história é
proposital pois foi nos meados do século XVIII que tudo começa a se transformar.
A derrocada final dos sistemas
monárquicos absolutistas e a ascensão ao poder de um novo grupo social que se
estrutura ideologicamente ao longo dos seus tempos de domínio traz modificações
profundas na vida social, urbana e rural, e evidentemente na vida cultural dos
países deste lado do mundo.
No caso do Teatro,
especificamente, a burguesia dominante que via o Teatro nas ruas, ou em
edifícios adaptados para a função, como os “hotéis” parisienses, as quadras de
tênis, os pátios
das hospedarias (Corrales),
começa a se preocupar com a criação de um local para seus espetáculos, já
que os reis, e a aristocracia poderiam vê-lo em seus próprios palácios e por isso
não se preocuparam em criar lugares específicos para este tipo de
entretenimento, já que os “artistas” vinham até suas moradias.
Onde porem, os burgueses veriam
seus espetáculos?
O teatro foi e será sempre
filho da história, e não da ideologia, e se formos estudar as peças, suas
épocas e sua arquitetura conseguiremos ver em seus traços essenciais como
viviam o homem e as cidades de cada época. O teatro grego, o elisabetano, o
espanhol do século do ouro, a idade média, todos por sua arquitetura e dramaturgia
nos falam de seu tempo, não seria diferente também com o teatro da burguesia.
As platéias, os camarotes e as
frisas se transformam no lugar onde a burguesia vai viver seus grandes
momentos, com o balé, a ópera e o teatro, antes um privilégio dos reis e
seus convidados. Por servirem a todos sem as restrições da aristocracia, nem a
poluição das ruas, estes teatros italianos passaram a ser chamados
teatros públicos, quer dizer, um lugar que todos poderiam freqüentar desde que
tivessem dinheiro para pagar o preço do ingresso. Nos palácios não se cobravam
ingressos, e nas ruas se passava o chapéu. O teatro público livra os artistas
da segregação aristocrática e da penúria das ruas e parece ter vindo para
“revitalizar” esta arte tão popular, colocando-a totalmente a serviço da
burguesia ascendente. Todos agora poderiam desfrutar desta arte em locais
agradáveis, confortáveis e bem equipados com a tecnologia da época, desde que
pudessem pagar seus ingressos. E a burguesia podia!
O LOCAL DOS ESPETÁCULOS
I
O mundo estava mudando e o
Teatro refletia esta mudança em forma e conteúdo, arquitetura e dramaturgia,
organização e administração, e principalmente na composição da platéia dentro
das salas “públicas” de espetáculo, o que iria modificar totalmente o teatro
que se fazia, pois apesar das salas serem “públicas”, o teatro não se fazia
mais para todos, dos reis aos miseráveis de ruas da Idade Média e do
Renascimento, mas sim para uma classe social única e homogênea que viria a
freqüentar as salas dos teatros públicos pelos séculos seguintes.
Embora pudesse contar com a
presença de algum rei ou autoridade principal em seus camarotes especiais, a
platéia dos teatros iriam apresentar absoluta uniformidade e homogeneidade, pois
a elas se dirigiam sempre representantes da nova classe social com poder e
domínio sobre os corações e mentes.
O mundo mudou de lugar, e o
teatro também andou com ele. A burguesia protestante que iria desenvolver a
civilização do mercado, do dinheiro e do consumo se apropria desta
forma espetacular de
manifestação humana e a transforma em coisa sua e determina-lhe os
contornos durante pelo menos dois séculos. Expropriado o Teatro se
transforma em arte privada, que tem
proprietário.
Somente no final do século XIX
e início do século XX é que esta situação vai se modificar, e justamente com
uma nova revolução, que quer trazer para o centro da discussão e do poder a
classe que ficou para trás. A revolução socialista não poderia ignorar o
Teatro, e não o ignorou, assim como também o Teatro não ignorou mais esta
transformação social.
O LOCAL DOS ESPETÁCULOS II
Os artistas soviéticos
entusiasmados com a idéia de construção de uma nova sociedade justa e
igualitária procuram descobrir qual seria a arte do espetáculo de uma sociedade
sem classes, uma arte que atingisse a todos igualmente. Maiakoviski foi o que
mais acreditou e mais pensou no que seria esta arte, e levou seus espetáculos
para lugares inesperados, pensando nas lonas do circo, nas vitrines das lojas
saqueadas das cidades russas e finalmente para as ruas. Mas foi ele também o
que mais se decepcionou com os caminhos tomados por esta revolução em relação
às artes e a cultura dos povos. Se suicidou. Antes mesmo que o realismo
socialista fosse coroado por Stalin e o poder da época como a linguagem
“oficial” da nova era. Os poetas que dela se afastaram seriam considerados
alienados e esteticistas e nocivos ao programa de construção de um novo mundo
socialista. Meyenhold , que também aderiu à revolução e colocou sua arte a
serviço deste mundo também cai em desgraça e tem morte melancólica. O
teatro se fecha novamente nas salas controladas e bem comportadas,
desenvolvidas pelos líderes revolucionários soviéticos. É novamente
privatizado, desta vez, pelo Estado. E tudo volta à antiga calma
pré-revolucionária.
BERTOLT BRECHT
Brecht é proibido na União
Soviética e perseguido
nos
Estados Unidos. Se instala com seus atores num teatro da Alemanha Oriental,
onde iria ter condições de desenvolver suas idéias a respeito do Teatro épico
que influenciou gerações e gerações, desde a primeira metade do
século passado até hoje, mudando definitivamente o horizonte das artes cênicas
em todo o mundo. Nascido do expressionismo alemão e das inquietações políticas
de toda a Europa nas primeiras décadas do século XX, ele foi o primeiro a
contestar o teatro que se fazia nas salas fechadas do realismo burguês ou
socialista.
Mas, embora tivesse mexido
profundamente nas questões do ator e da dramaturgia, e na idéia de
desmistificar o palco e a ilusão burguesa em busca de um Teatro didático
e popular, Bertolt Brecht se manteve nos limites da cena italiana e jamais
questionou sua organização arquitetônica. Procurava resolver suas
questões dentro das quatro paredes de um Teatro, em um palco amplo sem quarta
parede.
Embora movido por um forte
sentimento democrático e humanista e fizesse um Teatro de alcance popular por
sua linguagem e preocupações, Bertolt Brecht não abandonou nem questionou a
cena italiana, embora tenha modificado profundamente a relação do espetáculo
com o espectador.
A DEMOLIÇÃO
A partir dos anos 50 a
insatisfação com a formalidade do palco italiano faz com que o local dos
espetáculos se pulverize e se multiplique em varias outras possibilidades
arquitetônicas ou espaciais, desde as arenas mais simples até as salas
polivalentes, comuns hoje em dia.
O espaço do Teatro se
fragmentou porque o mundo que ele queria representar também se fragmentou, e
novas relações, novas dramaturgias, novos espaços são necessários para
poder se falar destas fragmentações e modificações que o Teatro privatizado e expropriado
pela burguesia vinha sofrendo. E sonhar com outro.
Novamente está tudo em
movimento, o mundo muda de lugar, e o teatro com ele. Qual seria o local
dos espetáculos teatrais em um mundo em desorganização. E reorganização?
Momento difícil, doloroso e
fértil!
Que valores defender? A
ordem?
A desordem está a um passo!
Ou tirar da própria desordem um
horizonte de liberdade e novas possibilidades?
Para Brecht havia uma Utopia a
ser perseguida. Oitenta anos depois, teremos nós mesmos que construir nossa
Utopia.
A RUA
Desde que o lugar do
espetáculo passou a ser aquele da escolha do encenador, ou do produtor, ou
do autor. Desde que o lugar dos espetáculos não era mais àquele
obrigatório criado pelas ordenações e valores sociais deste nosso sistema urbano,
a rua naturalmente se apresentou como alternativa possível e viável para
apresentação e fruição da função teatral. Como era antes.
Muitos fomos para a rua em
busca de resposta para as questões espaciais que cercavam o
espetáculo. Experimentadas todas as formas de arenas, circulares,
retangulares; todos os espaços possíveis – quadrados, galpões, velhos
edifícios, presídios, hospitais abandonados – ficava faltando somente
experimentar o espaço urbano livre de qualquer conformação ou limite. A cidade
com suas ruas e suas praças, especificamente, os espaços públicos. Do
confinamento das salas fechadas, dos Teatros, dos “hotéis” dos palcos das
hospedarias (Corrales), dos palácios dos reis, o Teatro volta para as ruas,
onde já estivera durante séculos, principalmente na Idade Média e Renascimento,
quando a comédia dell’arte representa um momento de estupenda força e
vitalidade desta atividade humana tão antiga quanto a própria historia do
homem.
ESPAÇOS ABERTOS
A volta do Teatro aos espaços
públicos, além das questões espaciais, nos trouxe principalmente a
possibilidade de contato com uma platéia que estava longe da
homogeneidade do espetáculo burguês, feito para uma classe social
apenas. O Teatro de Rua traz de volta para o espetáculo
a heterogeneidade das platéias que fizeram a força e a vitalidade
do Teatro Grego, Medieval, espanhol renascentista, elisabetano, do teatro de Shakespeare e Moliére, que escreveram para
platéias absolutamente heterogêneas produzindo obras de interesse e valor
jamais superados na historia das artes dramáticas e da
dramaturgia. Daí vem a força destas obras, geradas no contato
direto com a população, sem divisão de classes. O clássico popular.
O Teatro de Rua elimina a
estratificação social e nos coloca novamente em contato com a população, sem
restrição de nenhuma espécie.
Atuar nos espaços abertos, em
áreas públicas e livres é como fazer uma viagem ao passado e ao futuro do
teatro, percebendo sua ancestralidade e sua necessidade, o que garante sua
permanência no futuro.
A função teatral cumpre função
social essencial de recuperação do tecido social desgastado quando realizada em
plena liberdade em espaços públicos, despertando no expectador a memória de
antigas representações nunca vividas por ele, mas muito lembradas, colocando-o
em contato com sua ancestralidade e devolvendo a ele a esperança de fazer parte
da vida urbana em todos os seus aspectos.
OBRA PÚBLICA I
Todas as artes são públicas,
por sua própria natureza. Não produzimos arte para o nosso próprio consumo; a
necessidade de compartilhamento está intimamente ligada a sua produção.
Arte é obra pública, feita por
particulares. Arte é sempre obra pública. Não tem em sua natureza o desejo de
manter-se oculta ou reservada para algum momento especial, nem o de ficar
guardada esperando um bom preço de mercado.
Tudo o que produzimos, vindo de
nossa sensibilidade, criatividade e fertilidade traz dentro de si o desejo de
ser imediatamente compartilhado.
Só com a ascensão da burguesia
mercantilista ao poder é que a arte passa a adquirir
características de produto de consumo submetido as leis de mercado. Seu
produto artístico será bom se tiver quem queira comprá-lo. No entanto, os
quadros de Van Gogh nunca tiveram valor econômico enquanto ele
viveu!!! Antes não valiam nada, e o pintor morreu na miséria. Não era “arte” o
que produzia? Virou arte depois que adquiriu valor econômico?
Miguel Ângelo era um
trabalhador braçal. Trabalhou duramente nos tetos e paredes da Capela Sistina,
no Vaticano. Recebia dinheiro pelo seu trabalho e não pelo valor artístico do
que produzia. O seu trabalho criativo não tinha e não tem preço.
Como dizia Cacilda
Becker: “Não posso dar a única coisa que tenho para vender: o Ingresso”.
Todo o resto não tem preço e é oferecido gratuita e generosamente àqueles
que se dispõem a compartilhar este momento intenso de criação,
doação e generosidade. “Não
me peçam para vender o que tenho de melhor para dar”,
parece estar dizendo a grande atriz. Só paguem o ingresso, o resto é entrega e
doação. É o ser humano no seu melhor momento, mais solidário e mais
generoso. Nossa criatividade não é determinada pelo mercado (nem pode),
mas por uma necessidade incontrolável de comunicar através de
sinais às vezes claros,às vezes obscuros o que trazemos dentro de nós
e queremos comunicar aos outros. Nada do que meu mundo interior
produzir neste sentido terá valor se não for compartilhado com outro ser
humano, igual a mim e diferente de mim.
A natureza publica da produção
artística é imperiosa e determinante, e sofremos quando não conseguimos
obedecê-la. E apesar disso não a obedecemos. Nos tempos em que vivemos
não há nada que possamos produzir através de nós mesmos que não possa ser
vendido. Vendemos nossas próprias almas, por partes, aos pedaços.
O ser humano perde assim o
sentimento generoso da doação e se transforma cada vez mais naquele que
se preocupa mais em acumular do que em distribuir. O mundo em que vivemos
parece querer nos transformar na pior das criaturas, e das mais ferozes e
egoístas da natureza.
A arte virou consumo e o ser
humano uma máquina de produtos beneficiados para o mercado. Com
toda a dor e a angústia que tamanho ataque à nossa natureza
artística doadora e generosa pode provocar. Vendemos o que deveria ser doado,
compartilhado, e sofremos com isso.
A UTOPIA
Todo artista traz dentro de si
a idéia de Utopia. Mesmo aquele que nunca se preocupou com a questão e nem
mesmo sabe o significado desta palavra, carrega dentro do peito este
sentimento. O sentimento artístico é um sentimento Utópico por sua própria
natureza. Não há sentimento de produção artística que não inclua o outro.
Ninguém produz para si mesmo, nem para egoticamente guardar seu produto
expressivo para vendê-lo mais tarde a quem se digne a comprá-lo.
O artista é um doador universal.
É sangue tipo O do homem
primitivo, antes que as atividades econômicas e a complexidade da vida social
(terra, alimento, plantio, clima, movimentação, sedentarismo e etc.) tivessem
diversificado sua composição sanguínea.
O Tipo O é o sangue do doador
universal. Uma metáfora da ancestralidade da entrega e da criação.
TEATRO DE RUA II
Nenhum artista do Teatro
de rua está pensando em ganhar dinheiro quando vai para as ruas. Não é
uma carreira segura, de colocação garantida no mercado. Vamos fazê-lo por
absoluta necessidade de nos expressarmos publicamente em lugares também
públicos.
E apesar de não estar voltado
para o mercado é a modalidade teatral que mais cresceu no
Brasil nos últimos anos; não é Teatro de vanguarda, não é experimentalismo, não
é teatro do absurdo, não é multimídia. É Teatro de rua, e tem vida própria.
Apesar de não ter dinheiro cresce intensamente, são dezenas de grupos e
centenas de atores que se lançam a esta aventura de se oferecer gratuitamente
em praça pública, sem esperar nenhuma recompensa alem daquela que é oferecida
àquelas pessoas que livremente se expressam em público, para uma platéia
diversificada, heterogênea, sem distinção de nenhuma espécie: o prazer da
entrega e da doação!
O teatro de rua é a mais
antiga e a mais moderna forma de expressão, capaz de nos livrar da
extrema crueldade do mercado consumidor das chamadas atividades
artísticas. Nos remete à nossa ancestralidade, anterior ao Teatro que
hoje conhecemos e nos encaminha em direção a contemporaneidade de uma
forma de apresentação artística que ainda não conhecemos, mas que
certamente nos abre caminhos e horizontes em direção a um mundo
desconhecido, mas, que queremos que seja melhor do que este que
estamos vivendo.
O Teatro de rua abre
perspectivas para um novo mundo de confraternização e encontro, fora dos
limites constrangedores da atividade privada.
Por sua natureza generosa e
abrangente, e por sua historia e ancestralidade é a modalidade que mais
se aproxima de uma idéia de contemporaneidade.
Por ser de natureza pública
(saúde pública, transporte público, banheiro público) e não se enquadrar nos
padrões e critérios que regulam a atividade privada o Teatro
de rua está sendo tratado e estará sempre sendo tratado como uma
manifestação cultural primitiva e precária e indigna, diante dos avanços e
sutilezas das manifestações da chamada alta-cultura. E mesmo alguns grupos de
Teatro de rua cometem o mesmo erro de avaliação desta atividade extremamente
velha e extremamente nova, e vão buscar no celeiro cultural das artes privadas
os recursos para a sua encenação publica. Uma linguagem que nem sempre o
cidadão das ruas consegue entender, primeiro por nunca ter visto
uma encenação do Teatro privatizado pela burguesia, ou então por não
serem apropriados os recursos usados para uma encenação em espaços
abertos, públicos e democratizados.
Mas o pior é a confusão que os
órgão públicos ou privados, fazem eles mesmos a respeito desta questão, o
que leva a um tratamento inadequado por parte destes órgãos destas
manifestações tão novas e ao mesmo tempo tão antigas, anteriores ao ordenamento
das manifestações culturais feitas pela burguesia capitalista mercantilista.
Assim, sem a percepção do que
pode estar embutido numa manifestação cultural pública desta natureza o
que sobra para seu fomento acaba sendo muito pouco, muito menos do que
receberia qualquer atividade cultural privada mesmo que de qualidade,
as vezes, muitas vezes, inferior.
ARTE PÚBLICA
Diante do tamanho e crescimento
contínuo destas manifestações públicas, que vão ainda alem de Teatro,
como a música, a pintura, artes plásticas em geral, mímica e dança e outras
atividades que se realizam rotineiramente nas ruas e espaços públicos da
cidade, e da ausência de políticas publicas que contemplem esta importante
atividade humana, é que sentimos fortemente a necessidade urgente da
criação de políticas publicas para estas artes que, de agora em
diante, passaremos a chamar de “Artes Publicas”.
Políticas que serviriam de
complementação às políticas que já existem para estimulo e produção das
artes privadas, que alem de fomento para as suas atividades ainda tem a
possibilidade de retorno financeiro pela venda de seus produtos.
Perderemos sempre na comparação
com as artes privadas, ou com a cultura de mercado, que seleciona seu
publico pelo crivo da bilheteria ou outro tipo qualquer de venda.
São atividades diferentes sendo
contempladas com o mesmo olhar.
As necessidades e perspectivas
da Arte Pública são diferentes das necessidades e perspectivas da vida
cultural privada.
O afunilamento da vida cultural
privada e a despersonalização da cidadania nos grandes espetáculos públicos,
geralmente musicais, produz reação de sobrevivência, de identidade e de
necessidade de expressão livre do cidadão urbano, fazendo com que o ser humano
multiplique suas atividades fora dos locais para isso determinado pelas
ordenações vigentes. Com força de reação proporcional à pressão existente.
O fascismo é produção da
natureza humana, uma doença. Mas sua cura é também produto de uma reação
saudável do ser humano.
Desatualizadas, estas
ordenações sociais urbanas precisam ser revistas para que coisas
diferentes, sejam tratadas de maneira diferente. Investir nas artes
públicas com políticas apropriadas para este tipo de atuação e manifestação da
cidadania é fazer um investimento em um outro futuro.
O funil do mercado mata a
atividade artística e a transforma em produto supérfluo e quase que
desnecessário no mundo em que vivemos, transformando a atividade cultural
em entretenimento vazio e superficial, eliminando os focos de inquietação e
reflexão necessários para o pleno desenvolvimento do ser humano e suas possibilidades
de transformação. Função da arte.
Sem prejuízo do fomento que
já se faz as atividades culturais que atendam ao mercado e sejam
expostas ou vendida em lugares adequados e preparados para isso, é
preciso que se avance na idéia ou na conceituação de uma arte
pública para que possamos criar para ela políticas publicas próprias .
Políticas públicas para as
artes publicas, é o tema central deste primeiro encontro nacional e
internacional de artes públicas. Um horizonte e uma janela para se antever e
começar a construir o futuro agora. Diferente do que está previsto ou ordenado
de antemão.
Amir Haddad e Grupo
Tá Na Rua
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